A influência da anatomia do casco nas propriedades acústicas do tambor

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Oi pessoal,
os fabricantes de tambores oferecem uma grande variedade de modelos com cascos de diferentes diâmetros, profundidades e madeiras, dentre outras características. Qual é a influência dessas características no som de cada um?

Primeiramente vamos descrever o tambor e seus componentes anatômicos.

Em seguida, vamos elencar os fatores dos quais resultam as características acústicas do tambor.

Por fim, trataremos da influência da anatomia do casco no som final do tambor.

Anatomia dos tambores

Os tambores da bateria – o bumbo, o surdo, a caixa e os tom-tons – são instrumentos de percussão que consistem de cilindros (os cascos) nos quais são afixadas duas1 membranas esticadas (as peles). As partes dos tambores são mostradas na figura a seguir:

Anatomia de um tambor — Eri Zempo, Naoto Wakatsuki, Koichi Mizutani e Yuka Maeda — (CC-BY-3.0)
  • O casco é o cilindro, geralmente de madeira, sobre cujas extremidades se esticam as peles;
  • A pele é a membrana que o(a) baterista percute;
  • O aro do tambor comprime o aro da pele e assim a mantém tensionada contra a borda do casco;
  • As canoas são estruturas afixadas ao casco que recebem em seu interior os parafusos de afinação;
  • Os parafusos de afinação são o elo de ligação entre o aro e as canoas. Ao ser apertados ou afrouxados, os parafusos de afinação aumentam ou reduzem a tensão aplicada à pele porque regulam a força que o aro do tambor exerce sobre o aro da pele.
    • Para apertar e afrouxar os parafusos de afinação, bem como outros parafusos do kit, o(a) baterista usa uma chave de afinação como a mostrada na figura a seguir:
Chave de afinação — Wikimedia Commons (CC-BY-SA-3.0)

Fatores dos quais resultam as características acústicas do tambor

As características acústicas do tambor resultam dos fatores a seguir:

  • Pele: responsável por até 70% do som total do tambor;
  • Casco: responsável por 10% até 30% do som total do tambor;
    • Diâmetro;
    • Profundidade;
    • Espessura;
    • Bordas e, se existirem, aros de reforço;
    • Técnica de construção;
    • Material (madeira, sintético, metal).
  • Aro do tambor;
  • Canoas;
  • Ferragens.

As porcentagens apresentadas acima vieram da matéria “Anatomy of a drumshell” da edição de março de 2008 da revista Modern Drummer (pp. 166). A mesma matéria traz declarações interessantes de fabricantes de tambores:

“A maioria dos(as) bateristas compra com os olhos, não com os ouvidos.” — Jim Haler, Yamaha Drums

“A maioria dos seres humanos não é capaz de ouvir com precisão as inúmeras qualidades que muitos fabricantes de tambores dizem que seus instrumentos ostentam. A degustação de vinhos parece ser uma ciência mais exata.” — Scott Sasser, Mapex Drums

Além disso, Ray Ayotte acrescenta, um casco é “responsável provavelmente por só dez por cento” do som total de um tambor, com o aro tendo influência mas com a pele produzindo a maior parte do som. De fato, em uma consulta informal, outros descreveram a contribuição do casco como sendo não mais que trinta por cento, com o tipo e a afinação da pele sendo os maiores responsáveis pelo som.

Como comenta John Craviotto, “A câmara (o interior do casco) contribui bastante para o som”. Isso pode ser atribuído a como as ondas sonoras percorrem a parede interna do tambor. “Você não quer que fique totalmente lisa”, acrescenta Craviotto. “Isso tira o aspecto amadeirado do som. Não faça o interior ficar parecido com um tubo de PVC”.

“Um fabricante de tambores famoso me disse uma vez que se você pegasse um casco genérico e pusesse canoas da marca ‘A’ nele, então ele soaria como um tambor da marca ‘A’. Aí, se você pegasse esse mesmo casco e pusesse nele canoas da marca ‘B’, então ele soaria como um tambor da marca ‘B’.” — Gene Okamoto

Influência da anatomia do casco no som final do tambor

As informações apresentadas a seguir foram obtidas destas fontes:

  1. Yamaha – The Modern Drum Set, Part 2: The Bass Drum
  2. Yamaha – The Structure of the Drum – How sound is produced
  3. Yamaha – Choosing a Drum Set for Worship
  4. Pearl – 2000 Masterworks Order Guide
  5. Modern Drummer – Anatomy of a drumshell
  6. Modern Drummer – What You Need to Know About… Drum Shells
  7. Modern Drummer – What You Need to Know About… Bearing Edges
  8. Drum Tuning Bible
  9. The Sweet Sound of MDF!

Ao comparar tambores de dimensões diferentes, partiremos do pressuposto que, a menos da dimensão comparada, os demais componentes anatômicos são idênticos.

Diâmetro e profundidade

Quanto maior o diâmetro, mais grave será o som do tambor:

  • Um bumbo de 22 polegadas de diâmetro tem nota fundamental mais grave que um de 18 polegadas;
  • Uma caixa de 12 polegadas de diâmetro tem nota fundamental mais aguda que uma de 14 polegadas.

Quanto maior a profundidade, mais volume e menos articulação terá o som do tambor, e a nota fundamental também tenderá a ser mais grave. Vamos tomar como exemplo um bumbo de 18 polegadas de profundidade e outro de 14 polegadas:

  • O bumbo de 18 polegadas de profundidade é capaz de produzir maior volume e tem som mais profundo, com mais ressonância;
  • O bumbo de 14 polegadas de profundidade tem ataque mais articulado.

Espessura

Quanto mais espesso o casco:

  • Menor será a ressonância e a sensibilidade;
  • Maior será o volume;
  • Maior será o potencial para uma altura fundamental mais aguda;
  • Mais as peles serão responsáveis pelo timbre.

Bordas

A borda de 45° é provavelmente a mais comum porque é forte, fácil de fazer, e produz som com ataque e sustentação notáveis.

A borda de 30°, de acordo com John Craviotto, “acalma o ataque de uma borda de 45° ao mesmo tempo que retém a sensibilidade”.

As bordas arredondadas, comuns em tambores vintage, têm som mais aveludado e com menos sobretons.

Bordas de cascos — Robert (PDGood) — Reprodução autorizada

Aros de reforço

Os aros de reforço:

  • Ajudam a manter um casco fino perfeitamente redondo;
  • Aveludam o som;
  • Adicionam sobretons.

“Quando você percute o tambor”, diz John Good (DW Drums), “o aro de reforço está segurando o valor do ataque. Segura por um segundo e aí solta a fundamental mais grave, que é a beleza — o arredondado e a ressonância — do casco”.

Técnica de construção

Os cascos geralmente são feitos de madeira. A técnica mais utilizada para fabricar cascos em escala industrial é a de lâminas coladas – compensados. Podem ser utilizadas de três até nove, dez, e às vezes mais lâminas. É a técnica que usa mais cola.

Casco de lâminas coladas — Robert (PDGood) — Reprodução autorizada

Fabricantes de tambores customizados também utilizam outras técnicas. Uma delas é a de tanoaria (stave shell), na qual o casco é feito com tábuas verticais coladas. Usa menos cola que a técnica de lâminas coladas.

Casco Mazök Hand & Heart Crafted feito com técnica de tanoaria — Tobias J. Mazochi — Reprodução autorizada

“O método de tanoaria melhora enormemente a qualidade da madeira em contato com a pele, porque elimina inteiramente do processo centenas de centímetros quadrados de cola. O casco de tambor resultante ganha vida com a espécie de madeira, que faz uma contribuição tonal diferente da que se obtém com um casco de madeira compensada.” — William Reeves

Material

De forma geral, podemos dividir em três grupos os materiais utilizados em cascos:

  • Madeiras mais nobres:
    • Maple: tem tom geral cálido e reproduz as frequências em todo o espectro razoavelmente bem. Ressoa muito bem e aceita bem acabamentos;
    • Mogno: comparado ao do maple, o tom percebido do mogno genuíno dos EUA ou Honduras é mais cálido porque, embora os médios e agudos sejam aproximadamente os mesmos, o mogno tem um aumento de cerca de 20% nos graves;
    • Birch: é uma madeira bastante densa e resistente, de cor creme e fácil manejo. Comparado ao maple, um kit de birch será mais “duro/brilhante” porque, embora os médios sejam aproximadamente os mesmos, tem uma queda de cerca de 10% nos graves e um aumento de cerca de 20% nos agudos.
  • Madeiras mais simples:
    • Basswood: é uma madeira dura de custo mais acessível que para alguns imita o som do maple, e para outros o do mogno.
    • Poplar: é uma madeira obtida de árvores de crescimento rápido e dureza média, e é uma alternativa menos cara ao birch e ao maple.
  • Sintéticos:
    • Acrílico: tem timbre geral cálido e bastante ataque e volume.

Há várias outras madeiras e materiais sintéticos. Descrevemos apenas alguns dos mais comuns.

É importante lembrar que as características dos diversos materiais podem ser reforçadas ou atenuadas com peles, afinação e abafamento. Por isso considero que, embora o material utilizado tenha importância, as dimensões do casco e principalmente o controle de qualidade do fabricante são mais importantes:

  • O casco deve ser tão redondo e rígido quanto possível, sem se deformar com o uso normal nem com variações razoáveis de temperatura e umidade;
  • As bordas devem ser fortes e uniformes.

Resumo

É isso! Espero que o conhecimento da influência das características anatômicas do casco ajude você a saber o que esperar de um determinado modelo, sempre levando em conta que as peles são responsáveis pela maior parte do som.

  1. Às vezes apenas uma.